terça-feira, 7 de junho de 2011

A Salvação e o Inferno de Dostoeivski







Há dois textos de Dostoievski em “Os Irmãos Karamazov” que também exemplificam isso. O primeiro é o comentário sobre essa parábola [Rico e o Lázaro], feito por um dos personagens centrais do livro, que é um monge e conselheiro espiritual. Diz ele: “Eu pergunto a mim mesmo o que é o inferno. E defino assim: o inferno é o sofrimento por não poder mais amar. Uma vez [fazendo referência ao rico da parábola] um ser teve a possibilidade de dizer “eu sou e eu amo”. Uma vez somente foi-lhe concedido um momento de amor ativo e vivo. Para isso lhe foi dada a vida terrestre [que bela descrição do sentido da vida!]. Porém, esse ser repeliu esse dom inestimável e ficou insensível. E esse ser, tendo deixado a terra, vê de longe o seio de Abraão. Ele contempla o paraíso de longe. Porém, o que o atormenta precisamente é que se apresenta sem ter amado. E diz: “Agora a minha sede ardente de amor espiritual me abrasa”. O que abrasa o rico é justamente o desejo de amar, mas a impossibilidade de fazê-lo porque passou o momento. Ele desdenhou a possibilidade de amar na terra, quando era a hora de amar. “A vida que se podia sacrificar pelo amor já decorreu.”

O segundo texto é a lenda da cebolinha, um relato russo contado por uma das personagens femininas de “Os Irmãos Karamazov”:

Era uma vez uma mulher muito má, que morreu sem deixar atrás de si uma única boa ação. Os demônios a pegaram e partiram em desabalada carreira para o lago de fogo. Porém, seu anjo da guarda pensava: “Se ao menos eu pudesse me lembrar de uma boa ação que ela tivesse feito, iria contar a Deus!”. Recordou-se e disse a Deus: “Ela arrancou uma cebola na horta e a deu a uma pedinte”. Deus lhe respondeu: “Tente dar-lhe essa cebola no lago para que ela a agarre; se você a retirar, concordo que entre no paraíso; mas, se a cebola romper-se, então que fique onde está”. O anjo correu em direção à mulher e lhe apresentou a cebola: “Pegue-a”, disse ele, “e segure bem!”. Pôs-se a puxar com cuidado e a mulher emergia toda. Os outros culpados que estavam no lago, vendo que ela estava sendo retirada, agarraram-se a ela para poder sair também. Porém, a mulher era muito má e debateu-se para dar-lhes pontapés: “Sou eu que estou sendo retirada, não vocês!”. No mesmo instante em que lhes lançava essa observação, a cebola rompeu-se. A mulher caiu no lago e ainda está queimando. O anjo foi-se chorando.

Certo livro acadêmico, ao comentar a obra de Dostoievski, diz que, “em última análise, o que selou o destino da mulher não foi a longa série de transgressões pessoais, mas seu egoísmo e o fato de ter se colocado contra os outros pecadores, ou seja, seu desejo de alcançar uma salvação individual, que abrangesse apenas ela e não os outros”. O autor ainda diz que Dostoievski iguala a mulher má da lenda e o monge citado, que era um grande santo. Pois o monge, já morto, aparece em sonho a um dos irmãos Karamazov e lhe diz que está no paraíso somente porque um dia ele também “deu uma cebolinha”.







*Trecho da palestra de Paul Freston apresentada no 5º Congresso Nacional RENAS, em Recife, em agosto de 2010. Publicado pela Revista Ultimato Nº 327 Novembro-Dezembro 2010.

Um comentário:

  1. Adorei,
    Dostoievski é brilhante. Vale a pena ler o que Philip Yancey escreve sobre ele em Alma Sobrevivente.
    Abraço!

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